Um Dia de Chuva e a Felicidade em dois Filetes de Truta

Um Dia de Chuva e a Felicidade em dois Filetes de Truta
O dia amanhece cinzento e cru. Lá fora, o movimento só se percebe pelos pássaros que vão dançando por entre os arbustos, livres. Nem sequer há vento; apenas uma tela estática e quase monocromática do que se percebe através da janela da sala, a que só o último limão que ainda resiste no limoeiro, dá um toque de cor. Como é cedo e tudo dorme, o silêncio toca uma melodia sublime, de que apetece desfrutar.

Lentamente, e sem avisar, a tijoleira vai sendo pintada por pingos de água, aqui e ali. O som da chuva a cair interrompe o silêncio e cria aquela vontade de aconchego nas almofadas do sofá, enquanto a chuva vai revestindo o chão, lá fora, e nos perdemos em devaneios. É sábado. Haverá dia mais perfeito para este cenário?

Abrir a janela, só para sentir aquele friozinho de outono que já apetece, faz perceber a frescura do dia e presenteia-nos com o cheiro da terra molhada. E mesmo chovendo, e mesmo com pingos de chuva a tocar-nos a pele, e mesmo com aqueles laivos de arrepios outonais, fechamos os olhos para sentir a intensidade daquele momento efémero. É um bálsamo.

As horas passam. Um sábado assim é sinónimo de preguiça. Quais são os efeitos colaterais da felicidade, afinal? 

A passagem do sofá para a bancada da cozinha procura inspiração no forno, na busca daquele conforto que aquece o corpo e regozija o estomago, enquanto se saboreia um café d’A Brasileira do Chiado. O frio e a cristalinidade da chuva que continua a cair desenha na mente um rio de água fresca e profunda, de correntes fortes e fundo de cascalho. E torna-se evidente que, das profundezas dessas águas, a truta, de carne tenra e sabor suave, será a estrela do momento. Abrir uma lata de truta fumada com azeite, da Comur, com a satisfação de quem tem o trabalho adiantado, abre também um sorriso de contentamento. 

Um dente de alho que se descasca e lamina, quatro castanhas do pará trituradas grosseiramente com duas côdeas de pão e um generoso fio de azeite procuram o contraste que lhes falta. A janela traz a resposta: o resistente limão tem o destino traçado. 

E sobre o papel vegetal que o forno adora, dois filetes de truta fumada elevam-se na combinação da crosta de castanhas, pão, alho, azeite e limão que se lhe sobrepõe. Três pedras de sal e um salpico de pimenta preta rematam este pedaço de felicidade enquanto a chuva continua a cair lá fora, agora já sem o silêncio da manhã nem o toque de cor do limão, mas com uma melodia igualmente deliciosa.
Dias de chuva oferecem muitos encantos, para quem vê o sol para lá do cinzento das nuvens. Já viu como tudo parece sorrir após uma chuva fresca matinal?
Mar 2020 | Portugal 2020
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